O avanço na legislação para a inclusão dos trabalhadores com deficiência se deu de forma recente, e é notória a necessidade de discussão do tema para que os empregadores tomem medidas eficazes a fim de evitar qualquer tipo de discriminação e ilegalidades na esfera trabalhista.
O artigo 34 da lei Brasileira de Inclusão (lei 13.146/2015, que entrou em vigor em 4.1.2016)1 dispõe que a pessoa com deficiência “tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. Tal disposição repete o teor do artigo 27 da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU).2
Importante ressaltar que o trabalho, além de ser um dos meios para obtenção de recursos econômicos para subsistência do indivíduo, também se trata de legítima ferramenta de inclusão social. Através do trabalho é possível alcançar o reconhecimento social, sendo tal direito considerado fundamental e previsto no artigo 7º da Constituição Federal3.
No mesmo dispositivo, em seu inciso XXXI4, há a previsão da “proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”.
Contudo, ainda que haja garantias e proteções constitucionais, lamentavelmente é comum vemos decisões contemporâneas condenando empresas pela inobservância de normas que visem a inclusão e acessibilidade dos seus trabalhadores com deficiência, bem como por permitir ou praticar atos discriminatórios.
Nesse sentido, cumpre transcrever a ementa recente da mais alta Corte Trabalhista, “in verbis”:
AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. 1. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ACESSIBILIDADE REDUZIDA ÀS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. VEÍCULO DESTINADO AO TRANSPORTE DE PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS. EXPOSIÇÃO DOS USUÁRIOS A RISCOS E ACIDENTES SOBRE OS TRILHOS NO PÁTIO DE MANOBRA DAS LOCOMOTIVAS. DISCRIMINAÇÃO. CONTROVÉRSIA FÁTICA. SÚMULA Nº 126 DO TST. 2. DISCRIMINAÇÃO NO PROCESSO DE ADMISSÃO DE PESSOAS PORTADORAS DE DETERMINADOS TIPOS DE DEFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE JUSTIFICATIVA TÉCNICA E RAZÕES SUFICIENTES PARA EXCLUSÃO DOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA TOTAL E DOS CADEIRANTES PARA O DESEMPENHO DE DETERMINADAS FUNÇÕES. ARESTOS INESPECÍFICOS. SÚMULA 296 DO TST. AUSÊNCIA DE AFRONTA AOS ARTS. 7º, XXXI, E 170, II, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E 93 DA LEI 8.213/91, NA FORMA DO ART. 896, ALÍNEA “C”, DA CLT. 3. DANO MORAL COLETIVO. CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. INCIDÊNCIA DO ART. 896, § 7º, DA CLT. 4. DANO MORAL COLETIVO. “QUANTUM” INDENIZATÓRIO ARBITRADO. REDUÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. Impõe-se confirmar a decisão que negou seguimento ao agravo de instrumento, porquanto o recurso de revista não comprovou pressuposto intrínseco de admissibilidade inscrito no art. 896 da CLT. Agravo a que se nega provimento. (TST-Ag-ARR-1632-91.2013.5.09.0014 – Ministro Relator: WALMIR OLIVEIRA DA COSTA, Data de Julgamento: 24/03/2021, 1ª Turma, Data de publicação: 26/03/2021)5
Na decisão acima transcrita, foi entendimento da Primeira Turma do TST que houve prática discriminatória por parte da empresa que excluía certos tipos de deficiências para fins de contratação sem qualquer amparo técnico, entendendo ser razoável e proporcional a condenação em dano moral coletivo no importe de R$200.000,00 (duzentos mil reais), sob à luz do artigo 7º, inciso XXXI, da Constituição Federal.
Outra forma de discriminação do trabalhador com deficiência, que deve ser indubitavelmente combatida em nosso Ordenamento Jurídico, é a inobservância do artigo 93, parágrafo 1º da lei 8.213/19916, que prevê que a dispensa de pessoa com deficiência apenas poderá ocorrer se encontrar substituto semelhante para o cargo, dentro dos requisitos previstos em lei.
Nesse sentido, cumpre transcrever a recente ementa a seguir, decisão publicada em 30/04/2021, da I. Ministra Relatora Dra. Maria Helena Mallmann, que condenou a empregadora que não observou o artigo de lei supracitado, presumindo-se o dano moral, com condenação ao pagamento de indenização no importe de R$30.000,00 (trinta mil reais), conforme exposto a seguir:
“I – AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO APÓS A LEI 13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISPENSA IMOTIVADA. TRABALHADOR COM DEFICIÊNCIA. ART. 93, § 1°, DA LEI 8.213/1991. Agravo de instrumento a que se dá provimento por possível contrariedade ao art. 5°, V, da Constituição da República. Agravo de instrumento a que se dá provimento. II- RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO APÓS A LEI 13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISPENSA IMOTIVADA. TRABALHADOR COM DEFICIÊNCIA. ART. 93, § 1°, DA LEI 8.213/1991. O Tribunal Regional manteve a sentença que indeferiu a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, mesmo que a demissão do reclamante, pessoa com deficiência, não tenha observado o art. 93 da lei 8.213/1991, pois constatou que a dispensa se deu com quitação das verbas rescisórias em valor substancial, o que foi suficiente para o sustento do autor durante o tempo de afastamento. Nesse contexto, o artigo 93, § 1°, da lei 8.213/1991 estabelece uma regra de proteção ao trabalhador com deficiência que limita o exercício do direito potestativo do empregador de dispensar, sem encontrar previamente um substituto de condição semelhante, os empregados que se encontram nessa condição. O descumprimento da referida norma cogente no ato de demissão enquadra o reclamado como praticante de abuso de direito. Esclareça-se que, nesses casos, o dano é in re ipsa, prescindindo de prova o dano moral, sendo o próprio ato abusivo ensejador da reparação. (TST – RR-1611-79.2014.5.03.0004, Ministra Relatora: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 14/04/2021, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/04/2021)7 – grifo nosso
Não obstante, é cediço que apenas com a perseverança pela observância dos dispositivos legais e com o combate rigoroso à discriminação, poderá ser conquistada uma sociedade mais inclusiva e respeitosa com os cidadãos com deficiência.
Segundo Mauricio Godinho Delgado, o combate à discriminação é uma das mais importantes áreas de avanço do Direito moderno democrático ocidental, sendo que a inclusão social se contrapõe às antigas sociedades, marcadas pela exclusão social. Nesse espeque, cumpre transcrever:
“O combate à discriminação é uma das mais importantes áreas de avanço do Direito característico das modernas democracias ocidentais. Afinal, a sociedade democrática distingue-se por ser uma sociedade voltada para processos de inclusão social, contraponto às antigas sociedades, que se caracterizavam por serem reinos fortemente impermeáveis, marcados pela exclusão social e individual.”8
Dessa forma, é preciso colocar em foco esse tema, tão pouco difundido se comparado à sua importância, no que se refere à efetividade das medidas de inclusão social dos trabalhadores com deficiência, para que empregadores tenham práticas trabalhistas em estrita observância aos dispositivos legais que versem sobre a proteção desses trabalhadores.
__________
1 BRASIL. Artigo 34 da lei Brasileira de Inclusão (lei 13.146/2015).
2 Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007). Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. Vitória: Ministério Público do Trabalho, Projeto PCD Legal, 2014. 124 p.: il.; 14 cm. color. (Projeto PCD Legal).
3 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
4 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
5 TST-Ag-ARR-1632-91.2013.5.09.0014-Ministro Relator: WALMIR OLIVEIRA DA COSTA, Data de Julgamento: 24/03/2021, 1ª Turma, Data de publicação: 26/03/2021.
6 BRASIL. Artigo 93, parágrafo 1º da lei 8.213/1991.
7 TST – RR-1611-79.2014.5.03.0004, Ministra Relatora: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 14/04/2021, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/04/2021.
8 Delgado, Mauricio Godinho Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores -Mauricio Godinho Delgado. – 18. ed.- São Paulo :LTr, 2019 – página 955 e folha 956 (pdf).
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