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Direitos LGBTQIAPN+

Visibilidade e direitos para as famílias homoafetivas

Por CLAUDIA COSTA e PAULA BOTAN

Hoje, 29 de agosto, o Brasil celebra o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Criada para combater a Lesbofobia, a data foi escolhida como homenagem ao primeiro SENALE (Simpósio Nacional de Lésbicas) realizado na cidade do Rio de Janeiro em 1996, que reuniu lésbicas de todo o país para discutir políticas públicas e dar maior visibilidade a comunidade lésbica no Brasil.

Passados 3 (três) anos da criminalização da homofobia pelo STF, a comunidade LGBTQIA+ ainda enfrenta dificuldades para identificar crimes e punir adequadamente os agressores.

O CNJ, em parceria com o Projeto ONU, realizou um estudo analisando casos de violência contra pessoas LGBTQIA+ e constatou que, embora os crimes de homolesbotransfobia sejam frequentemente detectados na fase investigativa, quando os casos chegam à Justiça, menos da metade dos juízes os classificam como LGBTfobia nas sentenças.

Neste estudo constatou-se também que as lésbicas foram as maiores vítimas: 44% de todos os casos, e as mais afetadas pela falta de caracterização LGBTfóbica pelos juízes; 15% das vítimas conviviam com agressores.

Para além da discussão sobre a violência, o Brasil ainda falha no que toca a legislação protetiva para família LGBTQIA+, por exemplo, na temática das licenças maternidade e paternidade no caso de adoção ou nascimento.

Em especial no caso das mulheres lésbicas e bissexuais, a ausência de legislação específica gera a negativa de pleno gozo dos direitos ligados à maternidade, pois a licença maternidade não é concedida a ambas as mães, causando grandes prejuízos ao melhor interesse da criança.

Em se tratando de matéria não regulamentada em lei, não raras as vezes o Poder Judiciário é acionado para dar solução às famílias homoafetivas. Assim, diante de inúmeras decisões conflitantes entre os Juízos e Tribunais, o Supremo Tribunal Federal terá de uniformizar o entendimento sobre o tema.

Em âmbito nacional, o Recurso Especial 1.211.446/SP teve a repercussão geral reconhecida pelo STF em 21/10/2019. O caso ainda não tem decisão de mérito, mas discute-se a possibilidade de concessão de 180 (cento e oitenta) dias de licença maternidade às servidoras públicas mães não gestantes. Abaixo transcrevemos trechos relevantes da decisão do Ministro Luiz Fux que reconheceu a repercussão geral:

 

[…] Deveras, a partir do regime constitucional inaugurado em 1988, o modelo de família patriarcal, centrado no vínculo indissolúvel do casamento, foi substituído pelo paradigma do afeto, que propiciou o reconhecimento dos mais variados formatos de família construídos pelos próprios indivíduos em suas relações afetivas interpessoais, permitindo o fim do engessamento dos arquétipos familiares. A própria Constituição reconhece, expressamente, como legítimos diferentes modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada “família monoparental” (art. 226, § 4º). No mesmo sentido, esta Egrégia Corte atribuiu a qualidade de entidade familiar às uniões estáveis homoafetivas, em julgamento histórico que declarou a “imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil” e a “inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico” (ADI 4.277, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 5/5/2011).

[…]

Nesse prisma, o art. 7º, XVIII, da Constituição da República, que prevê o direito à licença-maternidade, deve ser interpretado em consonância com os princípios da dignidade humana, da igualdade, da liberdade reprodutiva, do melhor interesse do menor e da proporcionalidade, na dimensão da vedação à proteção deficiente. O âmbito de incidência desse direito constitucional ainda reclama conformação à luz da necessidade de proteção ao vínculo maternal constituído por mães não gestantes, bem como do paradigma da isonomia jurídica entre as uniões homoafetivas e heteroafetivas.

[…]

É nesse sentido que, no caso sub examine, o reconhecimento da condição de mãe à mulher não gestante, em união homoafetiva, no âmbito da concessão da licença-maternidade, tem o condão de fortalecer o direito à igualdade material e, simbolicamente, de exteriorizar o respeito estatal às diversas escolhas de vida e configuração familiares existentes. Na esteira do afirmado por Axel Honneth, o reconhecimento social consubstancia um relevante elemento da formação da identidade e autorrealização do indivíduo, que deve compreender a si mesmo como detentor de iguais direitos e obrigações: […]

Outrossim, imperioso destacar que, no caso concreto, (i) a recorrida é servidora pública, enquanto a sua companheira, que vivenciou a gestação, é trabalhadora autônoma e não usufruiu do direito à licença-maternidade, e (ii) a gestação decorreu de procedimento de inseminação artificial heteróloga, no qual fecundado o óvulo da recorrida, de sorte que a criança possui duas mães biológicas. Nesse contexto, emerge relevante questão jurídica que tangencia não só a possibilidade de extensão da licença-maternidade à mãe não gestante, em união homoafetiva, mas também os limites e parâmetros fixados para essa extensão. […]

Por todo o exposto, depreende-se que a questão constitucional ora debatida apresenta repercussão geral sob o prisma social, jurídico econômico: (i) social, em razão da própria natureza do direito à licença-maternidade e do impacto gerado pela sua extensão a qualquer servidora pública ou trabalhadora (art. 7º, XVIII, e art. 39, § 3º, da Constituição Federal) que vivencie a situação fática sub examine; (ii) jurídico, posto que envolve a proteção especial consagrada à maternidade (CF, art. 6º c/c art. 201), bem como a construção do âmbito de incidência do art. 7º, XVIII, da Constituição Federal, que deve albergar as múltiplas hipóteses de criação do vínculo maternal, e (iii) econômico, porque discute a concessão de benefício de natureza previdenciária, com custos para a coletividade e reflexos no equilíbrio atuarial dos sistemas de previdência social. O debate ainda transcende os limites subjetivos da causa, porquanto passível de repetição em inúmeros feitos em que se confrontam o interesse da mãe não gestante, em união homoafetiva, a usufruir da licença-maternidade, e o interesse social concernente aos custos do pagamento do benefício previdenciário e à construção de critérios isonômicos em relação às uniões heteroafetivas. Configura-se, assim, a relevância da matéria sob os pontos de vista social e jurídico, bem como a transcendência da questão cuja repercussão geral ora se submete ao escrutínio da Corte.

 

Acompanharemos o resultado do julgamento do tema da repercussão geral e traremos novas informações. É importante a mobilização da sociedade civil e dos poderes estatais para a pronta resolução e enfrentamento de uma lacuna significativa e nociva para o pleno desenvolvimento do menor e a plena cidadania das famílias homoafetivas.

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